Eram por volta das 11h30 do sábado, 1º de fevereiro,
quando Baltazar Augusto de Menezes, 58 anos, ligou para o amigo Elias Pereira
de Melo, 46. Ele informava que iria até a casa dele, pois precisava falar com a
ex-namorada.
Karina Souto Rocha, 29 anos, já estava por lá. Elias era amigo do
casal de longa data e sabia da separação, que já durava um mês. Mas aceitou a
visita do amigo sem saber que sua casa, no Bairro Santa Mônica, em Nova
Xavantina (650 km de Cuiabá), seria o palco de uma tragédia.
O encontro levou a uma briga do casal e ao menos cinco
tiros foram disparados: três em Karina, um no chão e um de Baltazar em si mesmo.
Mas o que seria mais um caso de feminicídio – dentro dos índices já alarmantes
de Mato Grosso – se transformou em uma história de recomeço. De uma forma
inexplicável, após ter a morte cerebral declarada, Karina reagiu exatamente no
momento em que os aparelhos que a mantinham viva seriam desligadas.
A discussão
Elias estava fechando sua loja, quando recebeu a ligação
de Baltazar. Karina já estava na casa do amigo, que fica próxima a uma praia de
água doce da cidade.
Na praia há um restaurante, e quando Baltazar chegou Elias
pediu que o dono do estabelecimento, que estava próximo à sua casa, service uma
cerveja. O amigo bebeu duas garrafas pequenas.
“E ele [Baltazar] estava
insistindo para ela [Karina] voltar com ele. E ela falou que não, que já tinha
quatro anos que estava com ele e ele nunca quis assumi-la. Então, agora ela
queria mudar de vida, queria outras opções”, contou Elias ao LIVRE.
Segundo o amigo e o pai de Karina, o pedreiro José Rocha
Cardoso, 56 anos, apesar de o relacionamento ter durado mais de quatro anos,
Baltazar nunca quis assumir Karina como esposa. Ela, inclusive, já estava com
outra pessoa, fato que o ex não aceitava.
A discussão entre eles, durante o
encontro, ainda agravou com pedidos mútuos de devoluções de presentes que eles
haviam se dado quando ainda estavam juntos.
“Ela estava com uma corrente de ouro no pescoço, que ele
tinha dado para ela. Ele falou: ‘então, me devolve minha corrente’”, lembrou
Elias, dizendo que, em resposta, a jovem pediu uma pulseira que ele usava. Mas
a conversa não tinha tom amigável. Terminou com Baltazar arrebentando o
presente que havia ganhado em um de seus aniversários e ambos devolvendo os
presentes.
Os disparos
A caminhonete de Baltazar estava encostada do lado de
fora da casa e, em determinado momento da discussão, ele foi em direção ao
carro. “Eu achei que a intenção era guardar a corrente, mas ele já pegou a
arma.
Estava a mais ou menos um metro dela, apontou para a cabeça e puxou o
dedo. Deu três disparos”, contou Elias, que assistiu toda a cena. A mãe dos
filhos de Elias, Cleudileni Ferreira dos Santos, 29 anos, que também estava na
casa, reagiu imediatamente. Pulou em Baltazar para impedi-lo de continuar a
atirar em Karina. Foi quando um dos tiros, então, atingiu o chão.
Ele não desistiu. Se desvencilhou de Cleudileni, colocou
a arma em seu próprio ouvido e atirou. Baltazar morreu na hora. Karina estava
sentada e até conseguiu se levantar e andar um pouco antes de cair na porta da
cozinha. Ela foi socorrida com vida. “Nós vimos toda a cena. Foi coisa de
cinco, seis segundos”, contou Elias.
Dois meses antes, também após uma discussão, Karina havia
chamado a polícia. Entregou uma arma de Baltazar. Ninguém sabia, no entanto,
que ele havia comprado outra. “Se eu soubesse que ele tinha um revólver, eu não
ia dar espaço para ele. Eu ia ficar colado nele para não deixar ele fazer
besteira. A gente não quer o mal de ninguém. Ainda mais eles, que eu gosto
tanto”, lamentou Elias
Elias conhecia Baltazar desde o primeiro casamento, que
também era conturbado.
Milagre
Apesar da fé da família, o tiro no rosto de Karina lhe
causou uma lesão muito grave e a morte cerebral foi constatada pela equipe
médica do Hospital Municipal de Barra do Garças (520 km de Cuiabá).
A família
foi informada e, com tristeza, autorizou o desligamento dos equipamentos que
mantinham viva a jovem, mãe de dois meninos – um de sete e outros de 10 anos.
Nessa segunda-feira (4), porém, por volta das 14 horas, quando a ordem de
desligamento seria cumprida, uma enfermeira entrou no quarto e viu Karina mexer
a mão. Assustada, ela chamou a moça pelo nome e Karina balançou a cabeça.
A enfermeira saiu correndo e gritando que Karina havia
reagido. Chegaram a duvidar dela, mas novos exames mostraram que a jovem
retornou do estado de morte cerebral. “Eu estava lá fora. Tinha falado: ‘Deus,
entra lá e reage a minha filha, em nome do nosso senhor Jesus Cristo'”, contou
o pai, lembrando que a oração foi feita cerca de 10 minutos antes da
notícia.
A recuperação
Karina foi levada de volta para uma Unidade de Terapia
Intensiva (UTI), onde segue internada. Ela não fala, mas já abriu os olhos e
reage às pessoas ao seu redor. O quadro clínico, segundo o pai, ainda é grave,
mas a pressão está controlada e ele acredita na recuperação da filha.
“O que
Deus fez, ele não voltar atrás para desmanchar. Ela estava já sem vida, o
médico falou que ela ressuscitou”, ele lembra, contando que a situação levou
até o médico e as enfermeiras às lágrimas.
“‘Realmente, Deus fez um milagre, porque não fui eu, não
foi a Medicina. Eu e a Medicina não temos o que fazer para retornar uma pessoa,
quando morre cerebralmente. Mas Deus fez o milagre’”, disse o médico, segundo
palavras do pai de Karina.
DA REDAÇÃO/ MARIA FARIAS
Fonte: O Livre